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Por dentro do Festival #AlmaImoral

O espetáculo, adaptação teatral do livro de mesmo nome escrito por Nilton Bonder, foi apresentado nas noites de sábado e domingo pela atriz e dramaturga Clarice Niskier

26.06.18 - 08H54 Por yngwie

O “Por dentro do Festival” é a sessão onde os repórteres do portal Festival Vida & Arte acompanham programações do evento e narram como foi a experiência de vivenciar atrações de música, teatro, espiritualidade, manifestações culturais, entre outras, dentro do maior festival multicultural do Brasil. A repórter Luana Barros assistiu o espetáculo de teatro Alma Imoral neste domingo(24), último dia de evento, e conta um pouco de como foi a seguir.

“Esta peça é a minha resposta para a dona Lélia”, explica Clarice Niskier. Dona Lélia é a autora de um fax endereçado para a atriz durante  participação em um programa de televisão onde, depois de Niskier dizer que se considerava uma judia-budista, dona Lélia diz que tal denominação não é possível: “Ou você é judia ou você é budista”. Foi o rabino, autor do livro Alma Imoral, que defendeu a atriz dizendo que sim, era possível haver uma judia-budista. O episódio aconteceu em 2002. “É que eu sou lenta mesmo”, desculpa-se.

O início é uma introdução para o monólogo que se seguirá. Do encontro com o rabino, veio de presente o encontro com o livro e o desejo de fazer a adaptação para o teatro. Se na obra literária não há uma ação dramática explícita, ela logo devolve: “mas e tudo que aconteceu dentro de mim enquanto eu lia?” O resultado de toda a ação que aconteceu no íntimo da atriz é o que a plateia, completamente lotada, assistirá. Mas o espetáculo ainda não começou, de fato. Ou, quem sabe, “a peça já começou dentro de vocês”.

O cenário é preto. Uma pequena mesa no canto, logo na frente do palco, apoia uma jarra de água e uma lamparina. Uma cadeira preta está mais atrás. A iluminação é vermelha no chão e varia mais acima na medida que Clarice vai falando. No fundo da caixa teatral, bem no fundo, uma coluna branca com um risco de cima a baixo – que a princípio, confundo com uma cruz. A atriz está com um vestido preto. Pega a cadeira e carrega até frente, logo depois leva um longo tecido preto e o coloca logo a frente da cadeira.

O vestido é retirado. O figurino é o corpo, junto ao tecido preto que se transforma a cada novo momento: manta, saia, vestidos, hijab. A nudez é a primeira transgressão. Transgressão é para mim a palavra que melhor representa o texto que vai sendo narrado por Clarice. No dicionário, a palavra significa o ato de não cumprir, mas também o de ir além. Na transgressão, Clarice vê todo o potencial do ser humano. No erro, na traição. Não na Lei, na tradição ou na moral. Nessas, não há potencial algum.

Do mito da alma pura – onde o corpo é o elemento transgressivo -, ela nos oferece uma outra lógica, um novo olhar. O corpo é moral. A roupa é símbolo dessa moral de quem se percebe nu – e não quer mais estar. A alma é imoral. “Não é amoral não, é imoral”. Subverter a moral. Trair a tradição. Infringir a Lei. É a alma, nua, a mais transgressora das coisas que carregamos conosco. Ela é movimento, ela é transformação.

O monólogo se estabelece ao contar episódios conhecidos da Bíblia. Adão e Eva, a abertura do Mar Vermelho , o nascimento de Jesus e sua crucificação são utilizados como guias no pensamento que desenvolve. Piadas e pequenos ‘causos’ também intercalam a narração. “Porque a piada tá na peça? Porque eu gosto dessa piada”. Não há necessariamente coerência entre momentos. E por que deveria haver? Coerência nada tem a ver com transgressão, afinal.

Senta novamente na cadeira. No início do espetáculo, havia explicado que aquele seria o momento das parábolas, mas também do público pedir por alguma repetição, caso não houvesse compreendido bem uma passagem. “Eu gosto de repetir”, enfatiza. Os pedidos vêm, mas o trecho repetido sempre traz algo de novo. A entonação da atriz, a retirada de um pedaço do texto ou mesmo o acréscimo de algo. “É porque, na verdade, não repetição”.

E a resposta de dona Lélia? Clarice explica que dá sim para ser uma judia-budista porque “às vezes nossas perguntas são tão intensas, que temos que encontrar as repostas onde quer que seja”. Eu até que gosto dessa resposta, mas fico com a fala de um padre que a encontrou em um espetáculo anterior, tal qual ela nos conta: “Você falou de judaísmo de um jeito budista. Deus te abençoe!”

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